Olá!
Há poucos dias foi publicado um interessantíssimo artigo no periódico Aging. O texto poderia estar em qualquer blog de saúde/medicina ou de práticas alternativas, mas não é esse o caso. Despertou bastante a curiosidade o fato da publicação estar em periódico indexado e que apresenta fator de impacto alto, ou seja, é cientificamente respeitável. O autor principal, Dale Bredesen, possui 58 outros trabalhos publicados sobre a doença de Alzheimer e é ligado à Universidade da Califórnia e ao Buck Institute for Research on Aging.
Vamos, então, ao que diz o artigo. Começamos pelo audacioso título: “Reversal of cognitive decline in Alzheimer’s disease.”, ou “Reversão do declínio cognitivo da doença de Alzheimer.” Será exagero? Ou será mais um “balão”, desses da internet?
Os autores iniciam o texto apresentando a complexidade da doença e falando sobre as limitações dos tratamentos atualmente disponíveis. Ok. Após, descrevem 10 casos de pacientes com transtornos neurodegenerativos (transtorno cognivito leve e doença de Alzheimer na fase inicial) por eles atendidos e que, conforme seus critérios, apresentaram um resultado favorável. Todos eles apresentavam perfil genético “desfavorável” no gene ApoE. Há, de certa forma, um ponto de dúvida na literatura (não comprovado), que pacientes com esse perfil genético tenham uma resposta menor aos tratamentos disponíveis. Não ficou explícito no texto, mas parece que a escolha desses pacientes deu-se justamente por essa questão genética.
O que foi feito de diferente? Os pacientes foram avaliados e tratados de uma maneira peculiar, conforme um protocolo chamado MEND (metabolic enhancement for neurodegeneration, ou algo como “aperfeiçoamento metabólico para a neurodegeneração”). Contam os autores que, diferentemente da abordagem clássica, de tratar os pacientes com Alzheimer ou transtorno cognitivo leve (fase que a antecede) com medicamentos que atuam em apenas uma via, eles compilaram informações científicas focadas na gênese da doença, nos achados epidemiológicos e no metabolismo cerebral de forma ampla, em especial visando otimizar a vascularização e a estrutura das sinapses. À primeira vista, esse enfoque se apresenta numa lógica coerente, bem conectada, tanto para o público leigo quanto para estudiosos da fisiopatologia da doença. Ao propor uma abordagem sistêmica e individualizada, eles definitivamente propõem uma forma diferente daquela praticada pelo mundo a fora.
Fiz questão de imprimir o texto e buscar o máximo de informações disponíveis. Tive acesso também aos parâmetros e exames que são solicitados no protocolo MEND. São ao todo 25 alvos de análise e intervenção, todos baseados em mecanismos que comprovadamente aumentam os riscos para que a doença de Alzheimer se instale e tenha também seu curso acelerado. São alvos que, em qualquer congresso médico, são comentados e não há muita discussão: estão, a maioria, bem consolidados na literatura.
Nesse estudo, deparei-me com muitas condutas que costumo empregar no dia-a-dia do consultório: pelo menos 15 dos itens do protocolo. Refiro-me à pesquisa dos níveis de homocisteína, otimização das vitaminas B12 e D, pesquisa de deficiência de zinco, estímulo ao exercício físico, pesquisa de inflamação crônica (inflammaging) e prescrição de dieta. Confesso que alguns dos alvos do MEND eu simplesmente desconhecia e que os níveis considerados “ideais” ainda são uma lacuna, carente de maiores explicações e passível de ampla discussão.
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Particularmente, gosto desse tipo de abordagem clínica para doenças complexas; não só para o caso de Alzheimer, mas também para aterosclerose, depressão e câncer. Acredito que chamar a atenção para a abordagem sistêmica do paciente foi o grande objetivo dos editores do periódico Aging ao aceitar publicar o texto com uma rapidez impressionante: menos de um mês após ele ser enviado para análise.
Falando um pouco mais sobre o protocolo, ele emprega essa abordagem de forma estruturada e usando critérios, pontos de corte, definidos por algumas pesquisas e baseados muito na forma de pensar dos pesquisadores. Infelizmente o artigo é curto e não traz muitos detalhes clínicos, logo fico na expectativa de maiores explicações. Tenho certeza que eles possuem referências científicas em grande quantidade, porque, se em 2013, ao publicar o livro “Doença de Alzheimer: Como se Prevenir”, acessei mais de 200 artigos e duas dezenas de livros, hoje podemos facilmente multiplicar esse número por três ou quatro. Avançou-se muito no entendimento da doença.
Engana-se, porém, quem acredita que os autores do texto estão fazendo algo revolucionário ou apresentando ao mundo dados novos. Os últimos dez anos têm mostrado aos estudiosos do Alzheimer os caminhos pelos quais a doença se instala. Sabemos comprovadamente o papel da inflamação crônica, do estresse oxidativo, da glicação e das alterações nos níveis de insulina, das alterações mitocondriais, das vias dos neurotransmissores e sabemos muito sobre o papel das alterações nos vasos sanguíneos. Como anteviu o Dr. Alois Alzheimer em 1898, temos hoje a certeza do papel da disfunção dos pequenos vasos sanguíneos no declínio cognitivo.
Olhando mais para o protocolo, não é nenhuma novidade que a redução do estresse, principalmente através de um atendimento personalizado, como a yoga, melhora o desempenho cognitivo e retarda o declínio nesses pacientes. Há dezenas de estudos de ressonância magnética nessa linha. Não é novidade também que o exercício físico apresenta resultados fantásticos tanto para a prevenção quanto para a melhora. Pesquisas mostram o aumento das regiões cerebrais chamadas hipocampos com o exercício físico regular. Assim como os benefícios da dieta mediterrânea para a mente, isso é fato consolidado! O tratamento de disfunções hormonais, como a andropausa também já é uma realidade. Por outro lado, suplementos empregados no protocolo MEND já são comercializados por grandes multinacionais da indústria farmacêutica e do ramo de vitaminas há alguns anos. Posso mencionar os triglicérides de cadeia média (disponível aqui na forma de óleo de coco e em suplemento alimentar nos EUA), o ômega-3 DHA (em cápsulas ou em suplemento específico para Alzheimer – Danone), a Bacopa monniera (comercializada no Brasil desde o começo de 2016 – Sanofi), o n-acetilcisteína (NAC) e a coenzima Q10 como alguns exemplos.
O emprego da reabilitação e da estimulação cognitiva é ainda incipiente no cotidiano clínico aqui no Brasil, mas já está comprovado que funciona – e muito. Há centenas de neuropsicólogos fazendo esse tipo de treinamento.
O diferencial do MEND é a sistematização. É a medicina integrativa deixando sua marca, propondo o diagnóstico sistêmico e o tratamento amplo. Favoreceu aos pesquisadores e aos pacientes o acesso a exames sofisticados, como testes genéticos e de imagem, como PET-Scan, tanto no começo e ao longo do tratamento. Nos casos trazidos houve melhora nos exames de imagem, nos testes cognitivos e na funcionalidade (capacidade de executar as tarefas cotidianas). Pode ser que resultados parecidos eu obtenha aqui no consultório e centenas de outros colegas também o façam pelo país. Nesses 10 casos, conseguiram fazer as medições e deixar os avanços documentados; aqui, ficamos muito ainda na avaliação apenas da funcionalidade do paciente e nos resultados dos testes cognitivos – isso quando conseguimos trazer o paciente e os familiares para nosso lado.
Encaminhando para o final da análise: é um artigo cientificamente de baixa categoria? Sim, é. Trata-se de um relato de casos, ou seja, de um estudo de certa forma experimental. A seleção dos pacientes foi bastante heterogênea (pacientes com situação clínica diferente), o tempo de acompanhamento foi também variável, não houve um algoritmo definido, um desenho de pesquisa bem feito e divulgado. Isso não ocorreu até porque é apenas um relato de casos. Pode ser que diversos pacientes não tenham respondido às iniciativas e os casos não foram selecionados para o chamativo relato. Em termos de ciência é algo embrionário. Bastante lógico, porém, sem ainda um rigor suficiente para a ciência médica na forma como ela evoluiu e se apresenta: metodologicamente exigente.
A doença de Alzheimer, no entanto, exigirá da ciência algumas abordagens diferentes. A forma complexa como ela se desenvolve e evoluiu, a dificuldade na métrica das intervenções e as comorbidades apresentadas pelos pacientes dificultam o olhar estreito que muitas vezes uma linha exclusiva de pesquisa pode oferecer. Os autores consideram que formas individualizadas de pesquisa devem ser realizadas nos pacientes com Alzheimer, quando avaliações amplas e intervenções múltiplas são feitas.
Por ser um assunto sensível, há muita cautela na análise de dados e de novidades. Falar em Alzheimer mexe muito com sentimentos, com expectativas. E também, não se pode desconsiderar, é um mercado financeiro enorme, gigante. A sistematização do atendimento em forma de protocolos com certeza tem um viés comercial e de divulgação forte. Fica difícil precisar, mas há diversos estudos muito parecidos sendo conduzidos ao redor do mundo, todos com o enfoque de intervenções múltiplas. Há algo similar, chamado BBL (Body Brain Life), cujos resultados devem ser divulgados em breve.
Sobre esse cuidado na interpretação dos resultados, os autores foram bastante sinceros ao encerrar o texto reconhecendo que se trata de uma forma experimental e que a abordagem precisa ser mais pesquisada, com número maior de participantes.
De certa forma, fico feliz ao ver que o que proponho e divulgo nas palestras está, de certa forma, sendo uma tendência e há avanços nessa abordagem.

Ficou clara a intenção dos editores do periódico Aging ao publicarem esse relato de casos: atentar médicos quanto à necessidade de olhar o paciente com queixa cognitiva ou com Alzheimer como um todo.
Olhar como vai o sono, o nível de atividade e exercício físico, a alimentação, os exames laboratoriais e os estímulos. Essa abordagem, em conjunto com o tratamento que temos hoje (inibidores da acetilcolinestarase e antagonistas dos receptores NMDA), pode sim trazer resultados mais favoráveis. Podemos conseguir resultados ainda melhores indicando medicamentos, diminuindo processos que aumentam as lesões e mudando comportamentos.
Não há necessidade de se copiar ou querer fazer uma medicina focada em 25 alvos. Reconheço que hoje, no Brasil, poucos casos da doença de Alzheimer são diagnosticados porque os médicos não possuem formação e muito menos tempo para fazê-lo. Sei que as consultas costumam ser rápidas e a abordagem integral é muito mais demandante. Porém, fazendo a avaliação de pelo menos cinco ou seis alvos já estaríamos aumentando as chances de prestar um atendimento melhor.
“Ele já tem Alzheimer. Não vale mais a pena investir tanto.” – Não! Esse tipo de pensamento está cada vez mais equivocado. É bem pelo contrário: vale a pena investir! E muito.
A fisiologia, a bioquímica e a patologia – ramos básicos das ciências médicas – devem ser aliadas à mudança de estilo de vida para que consigamos prevenir a doença e a tratar melhor esses pacientes.
Um grande abraço,
Leandro Minozzo
Médico nutrólogo, pós-graduado em geriatria, mestre em educação, membro da ABRAN e da Associação Brasileira de Neuropsiquiatria Geriátrica.
No dia 7 de julho estarei em Canoas-RS, no Teatro do Sesc, com a palestra: “Como Manter a Menta Ativa e Longe do Alzheimer.”
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Veja abaixo a entrevista sobre prevenção da doença: