O convívio diário com idosos é uma inesgotável fonte de aprendizado. Muitas vezes, me surpreendo com amigos e com pacientes longevos. E, hoje, vou falar um pouco sobre um desses idosos que me surpreendem. No caso do Alício, é difícil, às vezes, encará-lo como um idoso. Isso mesmo. Sei que à primeira vista pode parecer um posicionamento preconceituoso. E vindo de alguém que estudo envelhecimento pode parecer um erro grosseiro. No entanto, mesmo lidando cotidianamente com muitos idosos, a vitalidade e a contemporaneidade dos seus pensamentos e posicionamentos facilmente me fazem esquecer de que estou de frente a um senhor de 90 anos. Pode ser que o uso freqüente de jeans ou de tênis contribua para essa minha percepção.
Muitas vezes, quando temos contato com alguém dessa idade, costumamos ter receio que ele vai cair enquanto caminha rápido; cautela para não tocar em determinados assuntos; achar que não tem planos para o futuro; ou medo de fazer amizades e se expor a desafio. Esqueça tudo isso quando se tratar do Alício. Posso dizer que aos 90 anos, quando converso com ele, tenho a nítida impressão de estar trocando idéias com alguém muito mais “jovem”. É a sensação que tenho trocando ideias ao vivo ou pelo Whatsapp.
Conheci o Alício numa consulta. Passou a ser paciente há uns 8 anos. Criamos um vínculo e o fato de termos nascido no mesmo estado acabou contribuindo – somos matogrossenses. Depois de um ano, num movimento contrário, me tornei aluno de yoga do Alício. Ouvia-o se queixar que os cabelos brancos estavam afastando alunos e, por perceber tamanha paixão pela prática, decidi buscar mais tranqüilidade e equilíbrio pessoal com suas aulas. Digo que valeu muito a pena.
Com a mudança para Porto Alegre, para acompanhar a gravidez da minha filha, não pude mais praticar yoga com o Alício. Mas mantivemos o contato e somos amigos. Muito me alegra sua presença em festas da família. Sua lucidez e vitalidade costumam ser atrações. Passa sempre uma energia muito boa.
Gosto quando vejo minha filha chamá-lo de vô Alício. E, pela liberdade e reciprocidade que desenvolveram, Antonia o trata às vezes como como criança, pintando-lhe as unhas e propondo-lhe atividades.
Recentemente, após alguns anos que ficou sem ter alunos, muito devido ao cuidado que brava e carinhosamente prestou a sua esposa quando adoeceu, Alício retomou sua atividade como mestre de yoga. E ele afirma que rejuvenesceu, que a vida voltou a ter outro significado. E é verdade. Impressionante o papel do trabalho e da perspectiva de utilidade na vida do Alício. Digo isso porque há anos ele fazia musculação quase que diariamente, assim como mantinha sua mente ativa através de leituras e buscas. Cozinhava almoço, cuidava da saúde, ia na missa. Fazia o esforço, o ritual de viver de um senhor de sua idade. Mas reclamava que faltava algo. Agora, o sair de si para o mundo, com o emprego de um dom – um dom de cuidado enquanto mestre – tem lhe feito, posso dizer, uns 20 a 30 anos mais moço e pleno.
Sobre os segredos do Alício para chegar aos 90 anos: “Sou um curioso”, ele me revelou logo que nos conhecemos. Ele busca conhecimento. Gosta de conversar.
Quanto à saúde, tem um cuidado quase que sagrado, sendo muito disciplinado. Não comete exageros. Se disciplina é liberdade, como diz a música, o Alício tem justamente a liberdade em forma de saúde que o permite ter autonomia e independência, vinda de uma vida de cuidado consigo mesmo.
Um aspecto relevante é que ele tem na espiritualidade, através da prática diária da meditação e nas leituras, uma de suas ferramentas para a tranquilidade e o autoconhecimento. Chama atenção nele justamente a percepção que tem sobre suas emoções e aonde elas podem lhe levar. Insatisfeito nesse sentido, ele busca o movimento, ele muda, ele vai atrás de novas relações e propósitos. É aquilo da flexibilidade dos yogues…
Na sua antiga sala de yoga, havia o dizer “Posso mudar o mundo, mudando-me. Não posso mudar os outros.”
Será que chegará aos 100 anos? Provavelmente. É um dos candidatos que conheço. Segundo uma pesquisa recente, quem chega aos 90 anos caminhando rápido e com a memória em dia tem grandes chances. E ele tem essas capacidades de sobra. Mas, acho que ele não vive com essa preocupação de fim, de uma meta a ser alcançada. O que percebo é que a alegria está no viver, no tomar atitudes, mesmo que seja a de se permitir relaxar, meditar e ler um jornal.
O Alício é um idoso daqueles que nos fazem pensar em todas as capacidades que a terceira idade pode oferecer. Nele, habitam os sentimentos e as emoções de todo ser humano. Provavelmente a yoga tenha contribuído e muito para o que hoje ele é: um sujeito íntegro no conceito de desenvolvimento psicossocial. Alguém que pode olhar para trás e, com calma e tranqüilidade, repassar toda sua trajetória e não viver em angústia com seu passado.
Da sua boca, dificilmente saem palavras negativas ou de desânimo.
Meus parabéns, amigo. Que chegue aos teus sonhados 100 anos e que continue a ser essa pessoa valiosa por sua simplicidade e que encanta e alegra aqueles que cruzam teu caminho.
Forte abraço!