Até recentemente, pouca atenção era dada ao achado de fígado gorduroso em consultas de rotina. “Isso é normal.” ou “Não é nada com que se preocupar.” eram posicionamentos frequentes de médicos ante o questionamento de pacientes que acabavam de realizar uma ecografia abdominal. Agora, em 2015, o que podemos dizer sobre essa condição? A quais riscos os pacientes com esteatose hepática não-alcóolica (EHNA), nomenclatura correta, estão expostos?
Antes de me ater a responder aos questionamentos, preciso explicar uma função importantíssima do nosso grande “amigo” fígado. Rapidamente já deve ter o associado com a de um filtro do nosso organismo, um removedor de impurezas. Você não deixa de ter razão. Porém, perceba essa outra perspectiva. Sem o fígado, não resistiríamos ao jejum. Os níveis de glicose na corrente sanguínea cairíam, cairíam e logo desmaiaríamos e tchau. Seria castastrófico. Por outro lado, sem o nosso “amigo”, ao saírmos de uma pizzaria rodízio, após termos devorado de 8 a 10 fatias de pizza, derrubado uma lata de refrigerante e um petit gateau de sobremesa, uma calda açúcarada tomaria conta de nossas veias e artérias e, salvo um milagroso atendimento em UTI, também morreríamos. O fígado, fique com isso na cabeça, participa ativamente no controle do nosso metabolismo. Ele segura ou libera energia, posso assim dizer. A esteatose é o segurar demais.
No outro texto, de 2011, usei o exemplo dos patos e gansos hiperalimentados para explicar a esteatose hepática. “Não banque o pato”, era o título. Preferi não repetir a brilhante analogia porque percebo que é um pouco debochada, e os pacientes que hoje descobrem seus fígados amarelados com gordura estão muito é assustados. Para quem não entendeu a história do pato, descubra no Google como é feito o foie gras – querendo ou não, é o que o que acontece conosco.
Com o excesso de energia entrando em nossas bocas e o sedentarismo quase que magnético prendendo-nos a cadeiras, sofás e automóveis, era natural que o fígado de muitas pessoas passassem a enfrentar problemas. Além disso, a questão da esteatose hepática não-alcóolica envolve diversos outros aspectos frequentes, como inflamação, estresse oxidativo e resistência insulínica – alicerce do processo que leva à diabetes. Recentemente, descobriu-se que ela também predispõe ao acúmulo de ferro, contribuindo ainda mais para uma piora no funcionamento do órgão.
Um dos problemas da EHNA é evoluir, ou seja, chegar a um estágio no qual o acúmulo de gordura dentro do fígado passa a ser tanto que eleva as enzimas chamadas transaminases (TGO e TGP). A essa quadro, chamamos de ESTEATO-HEPATITE, ou NASH. Essas alterações podem, e o que assusta, levar à cirrose e ao câncer de fígado. Acredita-se que o fígado gorduroso em breve será a principal causa de cirrose nos EUA, superando o álcool e o vírus da Hepatite C. Por lá, estima-se que 60% dos diabéticos ou obesos acima dos 50 anos tenham EHNA! Quando vejo adolescentes com um exame já alterado, logo penso, tomara que não evolua tanto. Sei que dificilmente uma esteatose precoce não evoluirá para as formas mais graves, como mostra a imagem abaixo.
Hoje, a EHNA é uma doença. Sabemos suas causas, as alterações químicas que ela proporciona, seus riscos e algumas formas de tratá-la. Em 2015, não há mais espaço para neglicenciar esse achado.
Respondendo à última questão, a que diz respeito aos riscos, ai vão algumas informações relevantes. A esteatose hepática está relacionada ao:
– aumento no risco para desenvolvimento de diabetes e síndrome metabólica;
– em pacientes com pré-diabetes e EHNA, a evolução para diabetes é muito mais rápida;
– aumento no risco para hipertensão arterial;
– aumento no risco para surgimento de placas de gordura nas artérias e, o pior, daquelas mais perigosas;
– risco para redução nos níveis de testosterona em homens;
– aumento na mortalidade;
– risco para surgimento de adenomas e até mesmo de câncer de intestino grosso – talvez a informação que mais me chamou atenção na pesquisa: o aumento do risco para esse tipo de câncer pode ser superior a 70%! Por isso, alguns pesquisadores consideram que pessoas com EHNA devam realizar a colonoscopia já aos 45 anos e repeti-la em intervalos mais curtos do que o da população em geral.
Leia mais sobre elevação de ferritina, clique aqui
Ressaltei a principal causa da esteatose hepática não-alcóolica, essa relacionada à função nobre do fígado em “segurar” energia. Existem, no entanto, diversas outras condições que cursam com a doença.
Analisando o que foi dito, realmente o fígado gorduroso deixou de ser um achado ocasional, ou algo do qual não devemos temer. Qual a saída mais inteligente? Evitar que a doença apareça. Outra? Buscar tratamento o quanto antes.
Recentemente, pesquisas têm apontado bons resultados com a prescrição de um medicamento chamado metformina (usado principalmente no tratamento da diabetes) e da vitamina E em doses elevadas. Há também indicativos de benefício do aumento do consumo de ômega-3, uso de silimarina e do tratamento da deficiência de vitamina D, quando presente. No entanto, volto ao começo do texto, quando expliquei a origem da esteatose hepática: o segurar da energia alimentar que se transforma em gordura. A forma mais efetiva de eliminar a esteatose hepática ou de evitar sua progressão para doenças ainda mais graves (esteato-hepatite e cirrose) é a mudança nos hábitos de vida, com a perda de peso e a prática de exercícios físicos regularmente. Vitaminas e a metformina funcionarão apenas com essa mudança. Guarde bem isso.
Deixo umas orientações de dieta para quem sofre de esteatose hepática. Rapidamente, não poderia me esquecer de ressaltar dois péssimos hábitos alimentares que levam à esteatose: comer rápido e logo antes de ir dormir. Eles mais que duplicam o risco para desenvolver o fígado gorduroso.
Um grande abraço, Leandro Minozzo – Médico Nutrólogo CREMERS 32053
Link do texto anterior: http://www.leandrominozzo.com.br/blog/esteatose-hepatica-nao-banque-o-pato-ou-o-ganso/
Entenda o que faz um nutrólogo e os motivos que me levaram à especialidade: http://www.leandrominozzo.com.br/o-que-e-nutrologia/
Parabens pelo blog e artigo.
Sou usuario de bebida alcolica, mas só bebo cerveja. Tenho 3 anos de resultados e gostaria de saber se posso ter cirrose ou se com esses resultados é possivel avaliar se estou tendo piora na saúde de meu figado.
2013 = TGO 38 / TGP 20 / GGT não fiz
2014 = TGO 28 / TGP 18 / GGT 74
2015 = TGO 24 / TGP 18 / GGT não fiz
Outra duvida, qual é o certo? Dividir TGO pelo TGP ou o contrario para avaliar a relação entre eles?
Também pesquisei sobre a relação do TGO com as plaquetas. No caso de 2015 com TGO 24 dividido pelo valor máximo de referencia 39 = 0,6153 e esse dividido pela quantidade de plaquetas 291 = 0,002114 e por fim multiplicado por 100 = 0,2114. Como interpreto esse resultado?
Forte Abraço e parabens novamente.