Você já parou para pensar nisso?
Seria morrer de um ataque cardíaco fulminante? Ou sofrendo com uma dor excruciante ou com intensa falta de ar?
Seria a AIDS? O câncer? Qual delas?
Segundo uma pesquisa recente realizada na França, o câncer é a doença que mais causa medo nas pessoas. Isso porque mesmo sabendo da evolução em se conseguir detectar diversas formas de tumores ainda em fases iniciais e com o avanço no tratamento, o câncer ainda carrega consigo um estigma amedrontador nas pessoas. E qual seria a segunda colocada? Entre centenas de doenças possíveis, a segunda doença que mais causa medo nas pessoas é justamente a Doença de Alzheimer. Nessa mesma linha, outra pesquisa, dessa vez feita nos Estados Unidos, mostrou que lá as pessoas já têm mais medo da Doença de Alzheimer do que de problemas cardíacos. Trata-se de um medo cada vez mais presente na sociedade; e, na medida em que o contato com acometidos pela doença aumenta, também cresce o medo nos familiares.
E por que ela causa tanto medo assim? O que ela tem de tão assustador? A principal razão para a Doença de Alzheimer causar medo nas pessoas é porque acarreta uma completa falta de autonomia e de independência para a doente. Autonomia diz respeito à capacidade de decidir sobre seus atos, enquanto independência, com a liberdade para ir e vir. Cá entre nós, essas perdas causam sensações horríveis. Além disso, a doença impõe enorme sofrimento e trabalho para a família, ao longo de anos – hoje, é bem comum pessoas com Alzheimer viverem muito mais de dez anos. Ela faz com que percamos a capacidade de entender as coisas, de reconhecer entes queridos. Na fase mais avançada da doença, precisamos de ajuda até mesmo para os cuidados mais básicos, como higiene pessoal e alimentação – um estado de total dependência.
Percebo também que aqueles que tiveram a experiência de cuidar de um parente com a doença sofreram tanto e perceberam o esgotamento e desestruturação de toda a família, que passaram a ter medo de causar esse mesmo sofrimento para os entes queridos que deles cuidarão. Isso reforça a Doença de Alzheimer como uma das mais temidas da população. E acredito que cada vez mais esse medo crescerá.
Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente,
somos habitados por uma memória. (José Saramago)
Mas, então, o que fazer para não seguir o mesmo caminho de pais, mães ou avós que tiveram Alzheimer?
“Não há nada a ser feito.”
“É uma questão de sorte ou azar.”
Ou alguém mais otimista pode dizer: “Faça muitas palavras-cruzadas. Coma alimentos coloridos no almoço. Quanto mais cores melhor para o cérebro!”
Grande parte da população, incluindo até mesmo profissionais da área de saúde, acredita que se trata de uma questão de sorte, ou no caso, de azar mesmo, desenvolver a doença. Porém, não é isso que os estudos mostram. Na verdade, os casos familiares, chamados hereditários, são a minoria. Grande parte dos casos, os chamados esporádicos, que representam mais de 90%, é resultado de um estilo de vida cultivado desde o nascimento. Não se trata, portanto, de uma questão de sorte ou azar. É, principalmente, uma questão de pagarmos um preço por escolhas que fazemos ao longo dos anos, por aspectos culturais e pelo ambiente no qual vivemos. Entraremos em maiores detalhes sobre a forma como a doença surge, avança e os seus fatores de risco mais adiante e ficará mais claro para você compreender essas afirmações.
Felizmente, mais de 100 anos após a descrição do primeiro caso da doença, pelo médico alemão Alois Alzheimer, em 1906, a medicina evoluiu de uma maneira fantástica, e hoje ela pode dar caminhos e pistas para que consigamos agir preventivamente. Avanços foram e vem sendo alcançados na forma de entendermos como a doença se instala e progride. As centenas de pesquisas sobre as causas da doença apontam que diversos mecanismos estão envolvidos e grande parte deles relacionados entre si. Atualmente, sabe-se que a Doença de Alzheimer não é resultado de uma única alteração no cérebro, mas sim de dezenas.
Tal complexidade impõe diversas dificuldades aos pesquisadores. A maioria dos medicamentos ou atitudes preventivas atua apenas sobre um ou algum desses que limita as pesquisas diz respeito ao fato do seu desenvolvimento levar décadas. Grande parte dos estudos feitos até agora consegue acompanhar os pacientes apenas por períodos relativamente curtos, o que os torna de certa forma limitados.
Também dificulta o entendimento de ações preventivas da doença a forma como as pesquisas são feitas. O jeito atual da medicina fazer pesquisa em prevenção apresenta algumas limitações. Nas duas últimas décadas, muitos médicos adquiriram um pensamento estreito em relação à pesquisa médica, considerando apenas válidos resultados encontrados num determinado tipo de pesquisa, chamado ensaio clínico randomizado duplo-cego. Esse tipo de estudo é excelente para testar se um determinado tratamento funciona ou não. No entanto, o grande problema é que para comprovar se uma atitude, como, por exemplo, a caminhada, ajuda a prevenir uma doença que demora anos para se instalar e se desenvolve de uma maneira tão complexa, como acontece na Doença de Alzheimer, esse tipo de pesquisa torna-se praticamente inviável.
Por outro lado, todos sabemos, médicos ou não, que cigarro faz mal ao coração, assim como comer muita gordura do tipo trans, estar acima do peso ou não fazer exercícios físicos. No entanto, não existe um trabalho do tipo ensaio clínico randomizado provando que qualquer uma dessas situações cause problemas cardíacos. Quer dizer, nunca cientistas pegaram dois grupos de adultos com as mesmas características e pediram que um fumasse por 10, 20 ou 30 anos e comparou os resultados com outro que foi orientado a não fumar. Esses conhecimentos que a sociedade incorporou, de que cigarro e gordura em excesso fazem mal, vieram de estudos observacionais, ou seja, analisaram o que acontecia com pessoas, por exemplo, que fumavam em comparação com aquelas que não fumavam.
Continuando com o tabagismo como exemplo, fortes indícios científicos apontavam seus malefícios à saúde já no início do século XX. Porém, algumas sociedades médicas só passaram a se posicionar contrários ao hábito, sugerindo aos pacientes que não fumassem, a partir de 1960. Imagine você quanto tempo e vidas perdidas nessa demora de mais de 50 anos!
Hoje, centenas de pesquisas que acompanharam pessoas por décadas apontam caminhos preventivos para a Doença de Alzheimer. São muitas informações que não podem ser ignoradas. Somando as evidências científicas poderemos nos prevenir em diversos mecanismos, aumentando nossa chance de prevenção em relação à doença – afinal, é o que nos resta. Porque a cura está muito distante, podendo, até mesmo, nunca chegar.
O médico Dr. Marwan Sabbagh, que é pesquisador e escritor sobre a doença, traz uma importante informação que enfatiza a necessidade e o impacto que a prevenção pode proporcionar. Segundo ele, mesmo uma redução modesta, algo como se retardar o aparecimento dos sintomas em um ano, poderia diminuir o número de casos em 5% no ano de 2030. São números que parecem não significativos, porém representam cerca de 200 mil pessoas livres da doença de Alzheimer. Caso conseguíssemos retardar em dois anos esses sintomas, o impacto seria extraordinário: algo em torno de 2 milhões de casos a menos! Impossível não nos contagiarmos com essa real possibilidade de evitar ou retardar o aparecimento dessa terrível enfermidade.
Esse é um trecho do livro “Doença de Alzheimer: Como se Prevenir”, Editora AGE. Recomendo a todos interessados em conhecer e enfrentar os fatores de risco dessa doença. A todos que pretendem superar o medo.
Abraços, Leandro Minozzo